“Não fui eu que escrevi isso” – Sobre as falsas autorias que circulam na internet!

Mais uma vez, volto a falar sobre a onda de publicações falsas pela Internet. É, sem dúvida, uma coisa de louco, pois o volume de tais postagens parece ganhar força com o passar dos dias!

Sem qualquer responsabilidade, são publicadas por aí mensagens, pensamentos, frases dos mais diversos teores – normalmente elogiáveis pela forma e conteúdo – com indicação inverídica de autoria. E parece, ao que tudo indica, que essa “gracinha” dá audiência, agrada. Como você já deve ter observado, algumas personalidades são as favoritas desses inescrupulosos, a exemplo de Fernando Pessoa, Papa Francisco, Clarice Lispector, Arnaldo Jabor. A lista é longa…

Diante dessa reprovável realidade, resta-nos estar cada vez mais atentos. O mínimo que cabe a cada um de nós, para não ver alimentado o ego desses falsificadores, é evitar o compartilhamento de mensagem recebida de fonte duvidosa, sem indicação de fonte e/ou que levante algum tipo de suspeita. Na dúvida, não passe adiante sem antes conferir a verdadeira autoria, cuja pesquisa, no geral, pode ser realizada sem maiores dificuldades/sofrimentos. Os grandes sites de busca (Google e outros) facilitam o trabalho.

Bem, para enriquecer o assunto, transcrevo excelente artigo da professora de literatura Elaine Rodrigues, publicado no seu blog ‘e-Redigindo‘. Trata-se de texto oportuno e que oferece boas dicas. Creio que lhe serão úteis.

Confira a seguir:

“Foi Clarice quem disse?

Acordei com um pesadelo terrível: sonhei que ia para fora do Brasil (vou mesmo em agosto) e quando voltava ficava sabendo que muita gente tinha escrito coisas e assinava embaixo meu nome. Eu reclamava, dizia que não era eu, e ninguém acreditava, e riam de mim. Aí não aguentei e acordei.” Clarice Lispector (Citação confirmada pelo biógrafo da autora, Benjamin Moser.)

Acho que o pesadelo de Clarice se realizou.

Se por um lado alguns se sentem acolhidos pelas supostas frases de Clarice Lispector,  por outro há leitores que reclamam por verem a obra de uma das maiores escritores brasileiras ser deturpada na internet.  Dizem até que a autora é campeã das citações falsas no Facebook.  Mas o fato é que a nossa Lispector caiu no gosto do povo, de um jeito ou de outro.
E se você não se importa muito com a autoria das citações que compartilha, mas apenas com a mensagem, também não ficará surpreso se eu disser que os seguintes textos atribuídos à Clarice nunca foram escritos por ela:

“Não tenho mais tempo algum, ser feliz me consome” Adélia Prado, O Pelicano.

“Mude. Mas comece devagar, porque a direção é mais importante que a velocidade.” Edson Marques

Agora entendo a reclamação de Clarice no sonho. Tem coisa pior do que alguém dizer que você falou algo, sem nunca ter falado?  E não se sinta envergonhado se você acaba de perceber que compartilhou frase fake.  Luís Fernando Veríssimo disse, em uma palestra que participei (Pauliceia Literária/SP), que é impossível controlar as citações na internet. O escritor até brincou dizendo que é reconhecido em outros países por textos que não pertencem a ele.
Nem a escritora Tati Bernardi escapou da “fake phrase”,  veja o que ela escreveu:

“Sempre achei bonitinha a frase ‘Tenho medos bobos e coragens absurdas’.  Vejo sempre espalhada pela internet como sendo da Clarice e pensava “é meio fraca pra ser dela, mas eu poderia ter dito isso”.  Daí tô limpando meu computador, arrumando uns arquivos, e descobri que em 2005 quem escreveu essa frase fui eu mesma. Eu era fã de uma frase e a frase era minha! A internet deixa a gente tão louco que eu mesma me falsifiquei.”

Então, como reconhecer uma citação verdadeira?

Os textos originais trazem características literárias do autor.  Por isso, uma boa maneira de saber se a frase é verdadeira ou não é conhecer essas características.  A escrita de Clarice Lispector, por exemplo, possui algumas peculiaridades: questionamentos existenciais, introspecção, epifania, fluxo de consciência (ideias expressas do jeito que surgem na cabeça,  pensamento não linear) etc.

Além disso, a citação verídica geralmente traz a referência do livro a qual pertence. E aqui vai algumas frases legítimas de Clarice:

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“Experimento viver sem passado sem presente e sem futuro e eis-me aqui livre. É de manhã. O mundo tão alegre como um circo desvalido.” Um Sopro de Vida

Chorava enfim dentro do meu inferno. […] E no soluço Deus veio a mim, e me ocupava toda agora. Ele nunca podia ser entendido por mim senão como O entendi: me quebrando com uma flor que ao nascer mal suporta se erguer e parece quebrar-se.” A paixão segundo G.H., página 140

“Eu sou mansa mas minha função de viver é feroz.” A paixão segundo G.H

“A mulher esclarecida estuda, lê, é moderna. E não tem de trazer necessariamente um diploma ou título, […] ela é compreensiva e humana e despoja-se do sentimentalismo barato e inútil.” Clarice na cabeceira: jornalismo, página 91

Dá-me a tua mão desconhecida, que a vida está me doendo e não sei como falar — a realidade é delicada demais […] e minha imaginação é pesada.” A paixão segundo G.H, página 32

Portanto, sugiro que você entre em contato com as obras dos escritores para acabar de  vez com a dúvida sobre as citações na internet — leia Clarice Lispector.

Fonte: https://eredigindo.wordpress.com/2018/04/07/quem-disse/

Sobre JCDattoli

Este blog foi idealizado para compartilhar reflexões e discussões (comentários, frases célebres, textos diversos, slides, vídeos, músicas, referências sobre livros, filmes, sites, outros blogs) que contribuam para a realização e o crescimento do ser humano em toda a sua essência e nas dimensões pessoais e profissionais. Almejo que o ser humano se mostre cada vez mais virtuoso, atento e disposto a servir ao próximo em cada momento da sua existência. Atuei profissionalmente por quatro décadas, com bastante intensidade, nas áreas pública e privada. Ocupei de cargos técnicos a postos de chefia e direção. Neste novo momento, pretendo ajudar pessoas a atingir outros patamares na vida – e na profissão. Dedicarei parte do tempo para ações sociais/humanitárias (levar música ao vivo para casas de idosos é uma das frentes de atuação, iniciada em 2007), além de assegurar espaços na agenda para o exercício do autoconhecimento e para a meditação, no caminho da evolução pessoal permanente . Gosto de ler, de aprender coisas novas, de praticar atividades físicas e de cantar-tocar violão. A família e as amizades são preciosas matérias-primas na construção do bem viver. Apesar das incongruências, desencontros e descaminhos humanos, tenho por missão dedicar-me mais e mais às pessoas como contributo para um mundo verdadeiramente melhor!
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7 respostas para “Não fui eu que escrevi isso” – Sobre as falsas autorias que circulam na internet!

  1. Zé Rosa disse:

    A questão da autoria, ahhhh a questão da autoria ! Já deveria ter sido revista há muito tempo com o advento das novas TIC… Ab,

    • JCDattoli disse:

      Obrigado, caro Zé Rosa. Mas, independentemente de qualquer mudança legal/formal, a questão de fundo é que essa prática da falsidade de autoria, declarada, é um tipo de crime. Até porque engana o leitor!

  2. Jose Paes Landim disse:

    Dir lhe- ia, meu caro Dattoli, que nunca levei a sério as versões, porque raramente elas batem com os fatos, sobretudo quando são emocionalmente alimentadas pelo despeito, pela inveja e pelo ódio. No que respeita a Clarice Lispector, confesso ser um dos seus maiores admiradores, porque, a meu ver, ela faz toda diferença, pelo que é de justiça receber não apenas o reconhecimento, quanto os agradecimentos da cultura literária, quer dentro, quer fora do nosso país. Forte abraço com parabéns pela garimpagem das boas preciosidades.

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  3. Rosane Aparecida Druck Rosing disse:

    Esclarecedor, perfeito, oportuno…cansada de ler coisas que tenho certeza, que jamais o autor em questão, diria. Por mais esclarecimentos assim! Gratidão!

    • JCDattoli disse:

      Muito grato, Rosane, pelo comentário, pelo feedback e pela visita ao blog. Certamente que, quanto mais esclarecidos a esse respeito, menos cairemos nas armadilhas que circulam pela grande rede de computadores!
      Abraço.

  4. Pingback: Citar ou não citar | Blog da Biblioteca da ECA-USP

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