
Estes dias, navegando em ambiente de rede social, vi interessante conteúdo “Sobre pessoas francas demais”. A postagem chamou minha atenção por alguns aspectos e, claramente, fui despertado para a importância do tema, que acredito deva passar despercebido para muita gente.
A referida postagem trazia inteligente pensamento de Francisco Cândido Xavier, grande expoente do Espiritismo no Brasil (1910 – 2002). Na sua reconhecida bondade, ele realça a importância de se dizer a verdade sem perder de vista o amor, a empatia, o cuidado com o outro. Observe:
Sobre pessoas “francas demais”:
—Sou adepto da verdade, mas acho que a Verdade não deve ser lançada na cara de ninguém.
Jesus silenciou diante de Pilatos.
Naquelas circunstâncias, adiantaria dizer alguma coisa?!
Graças a Deus, nunca me prevaleci da Verdade para humilhar alguém.
A Verdade que esmaga está destituída de Amor.
Deus não age assim.
A Verdade só deve ser dita quando possa servir de alavanca para reerguer quem se encontra no chão.
Eu fugiria de quem só tivesse verdades para me dizer.
A gente enlouquece.
Deus não nos violenta.
A razão nunca está de um lado só.
As pessoas que se orgulham de ser francas demais, estão escondendo de si mesmas a sua própria realidade.
Vocês me perdoem, mas é o que eu penso.
(Chico Xavier, O Evangelho de Chico Xavier, por Carlos A. Baccelli).
Esse pensamento de Chico Xavier traz significativa ponderação sobre o cuidado que devemos ter ao falar com outras pessoas, que por seu turno me remete à arte da boa comunicação, sobretudo nos relacionamentos interpessoais, de maneira que evitemos incorrer na chamada comunicação agressiva e, com isso, estejamos atentos para a prática de uma forma de comunicação não-violenta, recomendável, edificante.
Dito isso, parece significativo fazer algumas distinções conceituais, para minimizar confusões que naturalmente ocorrem a esse respeito, envolvendo falar a verdade, ser sincero, ser franco. Vou me prender, para nossa reflexão, a quatro conceitos, que são “a verdade”, “a sinceridade”, “a franqueza” e “o sincericídio”. Vamos lá:
Verdade – linhas gerais, conceitualmente falando, a verdade seria estar em conformidade com os fatos ou a realidade. Desonestidade e hipocrisia, por exemplo, seriam o oposto do uso da verdade.
Para começo de argumento, “verdade” aqui é sob o ponto de vista de quem fala, segundo a sua consciência, na sua convicção. Claro que a verdade pode ser relativa, pois, a depender da cultura, dos valores, das crenças, da história de vida etc., a verdade para uma pessoa pode ser diferente e questionável para outra. Entretanto, fiquemos com o ponto de vista de quem fala, com a verdade para ela. Assim, para fins do contexto em foco, a verdade sempre estará presente para quem fala de maneira sincera ou franca, sendo pressuposto básico. Ok?
Sinceridade – é uma característica positiva, certamente valorosa, por princípio. É falar ao outro a verdade, com moderação e cuidado para não ofender. O segredo é usar a inteligência emocional, sendo sincero sem excessos, sem ofensa, evitando julgamentos. Saber se policiar é um aprendizado que vale a pena, sobretudo para evitar antipatias, animosidades e rupturas relacionais. Inexistindo a intenção de magoar o outro, regra geral que deve prevalecer, utilizar o bom senso é fundamental nessa fala. Saber controlar a língua é regra de ouro, e aqui entra o conceito de franqueza!
Franqueza – para fins didáticos e melhor compreensão, diria que é se expressar com alguém de maneira sincera e sem filtros, de forma mais direta, sem rodeios, utilizando notória espontaneidade, que pode também trazer certa dose de ingenuidade. Por isso mesmo, muitas vezes, a fala carregada de franqueza pode contaminar e fazer estragos na relação, especialmente tendo em conta a cultura do nosso país. Buscando a sua origem, a palavra franqueza vem do antigo francês FRANC, derivada do nome do povo germânico chamado Franco, que tem por significados, entre outros, “livre”, “não-servo”, “genuíno”.
Sincericídio – para complementar o raciocínio, trago ainda esse vocábulo, talvez menos conhecido, um neologismo que resulta da junção das palavras sinceridade e suicídio. Significa uma espécie de verdade relativa, em que o indivíduo fala sem pensar, expressar fatos e opiniões sem refletir sobre como aquilo pode afetar o mundo à sua volta. Por princípio, essa forma de “sinceridade” denota intenção de agredir, de ofender. Segundo o dicionário informal, “Sincericídio é a arte de se difamar por excesso de sinceridade.”
Pesquisando ainda mais, encontrei nas minhas buscas a seguinte explicação, que parece bem elucidativa, comparando o sincero e o sincericida: “Uma pessoa sincera sempre pensa antes de falar, ela sempre busca transmitir a verdade de uma maneira positiva, enfatizando o que precisa ser dito sem que isso possa ferir outras pessoas. Já os sincericidas são pessoas egocêntricas, que se sentem donas da razão”.
Espero que essas reflexões tenham trazido maior clareza e até algum aprendizado para você, considerando a natural complexidade envolvendo o tema de hoje, por integrar o rol (infinito) das percepções, sentimentos e reações humanas, em cujo contexto se insere a arte de comunicar bem, requisito valoroso para que a pessoa seja adequadamente compreendida e, melhor ainda, para facilitar o cultivo de relações positivas e duradouras.
Para arrematar, deixo aqui essas palavras de Mário Sergio Cortella, notável filósofo, professor, escritor e palestrante, extraías do seu livro Pensar bem nos faz bem 2 – Editora Vozes (fonte internet):
“É preciso distinguir sinceridade de franqueza. Sinceridade quer dizer que tudo que você disser será verdade. Franqueza é dizer toda ela, o que nem sempre é recomendável”
Sou completamente a favor da verdade, sempre! Mas a verdade não pode ser confundida com grosseria. Existem muitas formas de se falar a mesma coisa; uma ofender e a outra esclarecer.
Belo post!
Obrigado, Lúcia. São sutilezas, não desprezíveis, que por vezes passam despercebidas…
Abraço!
Adorei a fala de Chico Xavier principalmente por ele levar em conta na prática da verdade, o Amor . Muito importante!
Aprendi muito com as 4 palavrinhas que vc postou.
Abraços Catarina e Carolina.
Sempre gentis. Obrigado, queridas!
Gostei muito deste conteúdo. Penso que ser sincero realmente é uma virtude. A franqueza, embora desejável, nem sempre é oportuna e
saber bem avaliar o que é ou não oportuno também é uma virtude.
Exato, caro amigo Passos. Você fez uma síntese muito legal, com acurado entendimento a respeito da essência da mensagem. Fico grato pela presença aqui e pelo rico comentário! Abraço