Ninguém está livre de enfrentar situação assim, de encarar uma doença grave e a proximidade da morte, seja da própria pessoa, seja de alguém que lhe é próximo. Assim, nada melhor do que buscarmos nos preparar para tais momentos/situações, que serão inevitáveis, o que inclui o como proceder!
É sobre isso que reproduzo publicação de postagem feita no Portal Raízes, em 26 de agosto, trazendo a visão e aconselhamento de quem conhece bastante do assunto, a médica, escritora e palestrante Ana Claudia Quintana Arantes, profissional já referida em diversas oportunidades aqui neste blog. O conteúdo é extraído do penúltimo livro dela, com o título “A morte é um dia que vale a pena viver“.
Em essência, o dilema enfrentado em tais circunstâncias é: devemos falar a verdade ou não?
Por isso mesmo, a abordagem da Dra Ana Claudia é importante, necessária, devendo ser vista, minimamente, como um convide para boa reflexão, de maneira que estejamos melhor esclarecidos e conscientes a esse respeito.

Imagem: veja.abril.com.br
Leia a seguir:
“Especialista fala sobre a importância de dizer a verdade para doentes terminais
Dizem que falar a verdade para o paciente com a doença grave pode matá-lo antes da hora. Essa é uma das maiores mentiras que ouço, e ouço quase sempre. Enfrento dilemas frequentes diante de familiares que me imploram pra não falar a verdade da doença dos meus pacientes, pois acreditam cegamente que a verdade fará com que fiquem deprimidos e morram antes da hora. Comportam-se como crianças que não querem abrir o armário com medo do monstro imaginário, sem se dar conta de que a casa está caindo. E o armário vai ruir com a casa.
O que mata é a doença, e não a verdade sobre a doença. Claro que haverá um momento de tristeza ao saber-se doente, gravemente doente. Mas essa tristeza é a única ponte até a vida que pode ser vivida verdadeiramente, sem ilusões ou falsas promessas cura. O que mata a esperança não saber-se mortal, mas sim, perceber-se abandonado. A palavra que mata é a palavra mal utilizada. Um dos maiores desafios que enfrento no dia a dia é convencer a família de que a pessoa doente tem o direito de conhecer a sua condição de saúde.
(…) Os pacientes que têm um bom entendimento de seu prognóstico tendem a tomar decisões médicas diferentes daqueles que não têm esse conhecimento. O medo de discutir o prognóstico, por ele, supostamente, provocar sentidos negativos, não é o motivo adequado para evitar discussões de notícias ruins. Há evidência crescentes de que a preparação inadequada para a morte leva a maus resultados de luto familiar, inclusive depressão, sentimento de arrependimento e tristeza complicada.
Quanto menor a expectativa de vida, maior a capacidade de saber a verdade sobre o seu tempo. Lidemos com isso!
Quando pergunto em uma aula quem gostaria de saber a verdade sobre uma doença grave, a maioria levanta a mão dizendo que sim. Então já aviso: conversem com seus filhos, seus amigos, sua família, sobre esse desejo. Porque, na hora para migrarmos para a condição de doentes, nossos filhos, nossos amigos, nossos pais e quase todos à nossa volta nos considerarão incapazes de viver o que precisamos viver. Todos esses que nos amam que pensam poder nos proteger do sofrimento forçarão os médicos a compartilharem desse silêncio. E, mesmo em grande sofrimento, todos nos dirão que não temos nada, que a nossa saúde é ótima e que nada do que sentimos de errado em nosso corpo é grave.
Mas o corpo não mente. O corpo nos diz, às vezes sussurrando, às vezes gritando: “Tem alguma coisa errada e muito ruim acontecendo”. Então pensaremos: “Como é possível que eu não tenha nada? Sinto uma dor horrível, estou emagrecendo, é cada vez mais difícil ser eu mesmo…Como é que eu não tenho nada?”. Quando estamos em um momento assim e as pessoas ao nosso lado não foram preparadas para estarem ali, arma-se uma grande encrenca. As famílias pensam que poupam os seus amados quando mentem, sem saber que os seus amados também mentem para poupá-los.
Na minha rotina, os pacientes conversam comigo sobre a sua finitude de maneira aberta e clara. Falamos sobre pontos muito tensos da trajetória da doença, falamos até dos desejos sobre o funeral. Mas quando esses mesmos pacientes falam com suas famílias, especialmente com a parte da família menos preparada para sua morte, eles fantasiam tudo. Falam dos planos de viagens, dos jantares, das festas que virão nos próximos anos. Parecem negar a realidade da doença, mas, na verdade, negam a possibilidade de conversar sobre isso, pois duvidam que seus familiares sejam capazes de tolerar o assunto.
Quando dou ao paciente a chance de saber sobre a gravidade de sua condição, a verdade dá à pessoa oportunidade de aproveitar o tempo que lhe resta de maneira consciente, assumindo o protagonismo de sua vida, de sua história. Ao poupar alguém da verdade, não estamos necessariamente fazendo o bem àquela pessoa. Não podemos poupá-la da própria morte. Não podemos salvá-la daqueles momentos difíceis em que será preciso estar em si mesma. Quando, na proximidade da morte, poupamos um ser humano da consciência de suas urgências, da importância do tempo de estar vivo antes de morrer, não conseguimos o processo de morrer. Conseguimos privá-lo de viver.
Enxerto do livro “A morte é um dia que vale a pena viver” (Páginas 106 a 109) de autoria de Ana Claudia Quintana Arantes. Ana Cláudia é sócia-fundadora e vice-presidente da Associação Casa do Cuidar, Prática e Ensino em Cuidados Paliativos. “
Em minha opinião a extrema sinceridade com o paciente, pode sim antecipar os fatos, por abalar a estrutura emocional. E o psicológico influencia em média 70 % . Não vejo em que mudaria alguma coisa, se dizer isso ao paciente.
Um exemplo prático: minha filha com 6 meses e dias, de gestação, teve eclampsia e foi internada por dias. O médico queria dizer a ela que corria risco e sério; não permiti! Porque precisava dar força a ela pra seguir adiante. Não deixamos em nenhum momento, que ela percebesse nossa preocupação. Enfim: graças a Deus, correu tudo bem.
Para a família sim, é importante, porque ela precisa digerir e tomar algumas providências.
Oi, Lúcia, concordo com você, que depende da situação, como foi esse caso. Também, de outro lado, entendo que a abordagem da Dra Ana Claudia tem a ver com aqueles casos de doença incurável, sem possibilidade de reversão. E o trabalho de cuidados paliativos é exatamente o de fazer boa preparação para o desenlace, tanto do paciente quanto da família. Portanto, cabe ser avaliada cada situação e a forma correta de fazer as revelações, no tempo certo, se essa for a decisão. Fica para nossa reflexão, que não deixa de ser um desafio, cabe reconhecer.
Grato por comentar!
Excelente comentário. Aliás, já li o livro e recomendo fortemente!
Valeu, Arnaldo!
Sou contra se dizer a verdade aos pacientes que padeçam de doenças graves. No caso dos doentes terminais, que os médicos e pessoas outras de sua amizade, tenham.para eles uma palavra de conforto, para o que não faltam.palavras e razões que o justifiquem.
Mas mim, portanto, se trata de uma maldade terminar dessa forma um tratamento.médico
Ok, amigo, compreendo ser esse um enfrentamento difícil, cabendo a cada um a decisão, presente cada situação em particular. O que me parece inquestionável é que cada situação precisa ser bem avaliada, para se chegar ao melhor encaminhamento caso a caso, com as devidas orientações e concordância da família, no que está incluído, e deve ser ponderado, até mesmo o estágio de evolução espiritual das partes envolvidas. Não é situação fácil, com certeza!
Sou totalmente adepta da verdade nessas situações. Mas também sabemos que cada pessoa é um rol de emoções e muitas há que, mesmo com saúde, não gostam/não conseguem falar abertamente da morte. Conheço pessoas assim.
Com esse tipo de pessoas creio que deverá haver uma lenta aproximação à realidade e evitar o serem informadas de repente.
Perfeito, sou mais próximo dessa linha de abordagem!
Bom dia!
Excelente artigo. Concordo plenamente. Meu pai sempre quis saber, estágio do câncer e o tempo de vida.
Por mais dura que possa ser, prefiro a verdade.
Parabéns Clóvis, por trazer esse tipo de publicação, nessa época de tanto mi mi mi.
🌻😘
Pois é, cunhada, trata-se de assunto delicado, mas que precisa ser enfrentado. Grato pelo comentário e retorno .
Abraço!
Precisamos falar mais sobre a naturalidade da morte.
Certamente, Arya. Grato por comentar!