
O tema solidão é instigante, até pela vasta gama de vieses que suscita. Pode-se estar sozinho por opção, por necessidade circunstancial até mesmo de se dar um tempo, como desfrute de um estágio/estilo de vida provando da própria companhia, como necessidade de novas descobertas e respostas, como resultante de maturidade e de determinado nível de consciência etc., ou por fuga, medo, conflitos relacionais mais severos, o que inclui sintoma de algum adoecimento integrante da vasta gama de distúrbios mentais (ou doenças da alma).
E é por conta dessa primeira tônica, positiva, do estar sozinho por escolha, que repercuto hoje o primoroso texto “Solitárias divagações”, abaixo transcrito, do escritor baiano (e amigo) Jair Araújo, publicado no portal eletrônico NOTÍCIA LIVRE, dois dias atrás.
A propósito das pertinentes reflexões que você irá conferir daqui a pouco, veio à minha mente esta sequência de pensamentos atribuídos ao filósofo da Antiga China Lao-Tsé: “Aquele que conhece os outros é sábio. Aquele que conhece a si mesmo é iluminado. Aquele que vence os outros é forte. Aquele que vence a si mesmo é poderoso“.
Em tempos de distanciamento social vivenciado mais intensamente ao redor do planeta, neste inesquecível 2020, as reflexões apresentadas no referido texto são mais do que oportunas. Aliás, diria que revisitar (e até ressignificar) o conceito de ‘solidão’, e de quebra do seu termo derivado ‘solitude’, ante o rico espectro de possibilidades compreendidas nessa temática, é mesmo recomendável, sobretudo porque pode trazer contribuição (e até insights) que ajudem a melhorar o estado de ânimo e a sensação de bem-estar do leitor, até porque sentir-se solitário, em alguma medida, parece ter incidência significativa entre os humanos.
Leia a seguir:
“Solitárias divagações
“A linguagem criou a palavra solidão para expressar a dor de estar sozinho. E criou a palavra solitude para expressar a glória de estar sozinho” (Tillich)
Durante o período inicial do recomendado isolamento horizontal, entre outros entretenimentos, eu tive a grata satisfação de assistir muitos filmes interessantes. Um deles foi “Into The Wild.”, cujo roteiro é a adaptação do caso real vivido pelo solitário Cristopher McCandeless que, no início dos anos noventa, soube utilizar a solidão como meio de libertação dos seus conflitos existenciais para conquistar a felicidade.
Dei-me conta de que os solitários são eremitas por opção. Indivíduos que se isolam da sociedade e mergulham dentro de si, na busca de encontrarem ou mesmo construírem caminhos para não padecerem no corrosivo estado de solidão. Fisicamente sós, se empenham em preencher o vazio espiritual, procurando perceber o sentido da vida através da observação do mundo real, pelas nesgas das janelas interiores que se permitem abri-las. Travam batalhas para se libertarem dos clamores da alma, reflexionando sobre o sentido das suas existências.
Estão, a percorrer o labirinto dos seus conflitos conectando-se com o ambiente, em companhia deles próprios. São pessoas simples como as que vivem no campo, permitindo-se sentir o frescor da brisa noturna a transportar o perfume das flores e ouvir o gorjear dos pássaros. Seres que, ao amanhecer, se encantam com o mistério das gotas de orvalho.
Os solitários buscam solucionar as amarguras, colocando-se como observadores de si próprios diante do mundo, evitando atribuir a culpa das suas inquietações aos outros. São, portanto, indivíduos que constroem pontes de dentro para fora, e não o contrário. Agem como as crisálidas a libertarem-se dos casulos para, atingindo a fase adulta, voarem livres e independentes. São prisioneiros que descobrem ter a capacidade de confeccionar as chaves capazes de abrirem as grades do eu.
Portanto, não se posicionam como encarcerados sem perspectiva de libertação. Estes são comportamentos característicos dos acometidos pela solidão. Dos que não conseguem percebê-la como um estado de espírito transitório, um momento que pode significar a oportunidade do encontro consigo, possível de lhes acenar uma rota de fuga das suas dores.
Os solitários assumem uma linha de análise e pensamento extrospectivo. Movimentam-se como agentes ativos, indivíduos com necessidade e vontade, além de enorme faculdade de adaptação ao meio social. Mesmo quando não concordam com os princípios, os valores e os hábitos culturais construídos pela sociedade. Resistem em cultivar o sentimento de que o mundo é que tem a obrigação de entendê-los, aceitá-los e integrá-los, custe o que custar. Blindam-se para não permitirem serem cooptados pelas coisas mundanas e, tampouco, pela solidão destruidora da autoestima.
Iludem-se os que pensam que os solitários vivem em permanente estado de solidão!
Os solitários se aproveitam dos momentos de solidão para alçarem voos. São criaturas possuidoras de força interior, de porções de rebeldia e audácia, suficientes para quebrarem regras. Veem a solidão como um desafio para alcançar libertação. São autocríticos o suficiente para mergulharem em reflexões, sem sentimentos de culpa, sem vitimizações.
Não se coadunam com as coisas do mundo material, consumista, competitivo, cada vez mais individualista, onde a vaidade dos títulos e das honrarias são exigências para se chegar ao topo do reconhecimento secular. Por isso, quase sempre são incompreendidos e passam a fazer parte do restrito grupo de aventureiros e lunáticos, assim considerados pela sociedade. Desprendidos de tais valores, das ambições materiais e dos prazeres efêmeros, muitos solitários, geralmente, optam por mergulhar na espiritualidade, na filosofia metafísica e nas doutrinas transcendentais do Oriente. O que importa verdadeiramente é que, de uma forma ou de outra, não abrem mão de serem felizes. Provam, assim, que o bem-viver, o bem-estar e o conforto da paz interior, não se encontram atrelados ao ter.
Podemos registrar como grande exemplo, o do jovem Matthieu Ricard, filho do ilustre filósofo Jean François Ravel, que abandonou promissora carreira de cientista, na área da biologia molecular, para se tornar monge tibetano e ser considerado o homem mais feliz do mundo. Epíteto este, concedido após estudos realizados em seu cérebro por cientistas americanos da Universidade de Wisconsin.
Nestes dias confusos quando, pela imposição pandêmica, nos encontramos isolados, muitas pessoas se veem impregnadas por uma estranha melancolia, ainda que convivendo com familiares e com todo o aparato tecnológico que possibilita o estabelecimento de convivência virtual. Um sinal de que, ao contrário dos solitários, muitas pessoas não são capazes de viver consigo mesmas. Quem não é capaz de conviver consigo torna a convivência com o próximo dificultosa. Por isso, são mais felizes os solitários que realizaram o mergulho profundo dentro de si para alcançar o topo da montanha existencial. Os que conseguiram adquirir a compreensão do essencial e, com isso, a sabedoria e significado do seu papel no mundo. Quem é feliz irradia paz e felicidade.
“A felicidade só é real quando é dividida.”. Esta é a preciosa mensagem deixada pelo solitário Cristopher McCandless, personagem biografado pelo escritor Jon Krakauer no livro “Into The Wild” que deu origem ao filme do mesmo nome.
Jair Araújo – escritor “
Fonte: https://noticialivre.com.br/2020/08/01/solitarias-divagacoes/
Muito boa reflexão. Obrigada Jair.
Obrigado, Auxiliadora, pela visita ao blog e por deixar o seu comentário. Sem dúvida, o ilustre Jair nos trouxe belíssima contribuição!
Bem-vinda!
É na solitude que a gente se conhece. Gostei!
Também creio nisso, Nicole. Grato pela visita e pelo comentário!
Excelente reflexão! Parabéns, Jair.
Grato, Odilva, por visitar o blog e por registrar o seu comentário!
Abraço
Nobre Jair, foi gratificante ler a sua reflexão, e sentir as variáveis que nos conduz nos momentos de solidão. Obrigado.
Grato, Luiz, por visitar o blog e por deixar o seu comentário. Repassarei para Jair.
Bem-vindo!
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