Diz a sabedoria da vida que para tudo deve haver equilíbrio e bom senso. Dessa regra geral, creio, também não escapa o “excesso de leitura”. Você já havia pensado sobre isso?
Quem me acompanha percebe claramente o quanto tenho procurado estimular o hábito da leitura, e são muitas postagens nessa linha. Nada obstante, venho hoje com este contraponto, ou ponderação, que me parece plenamente pertinente, motivado pelo interessante – e até mesmo provocativo – artigo da professora e escritora Elaine Rodrigues, que encontrei publicado no seu blog “e-Redigindo“, ao ponderar que grande quantidade de leitura pode ter seus inconvenientes, pode comprometer a boa fluência dos processos cognitivos, chamando também a atenção para a necessidade de concedermos um tempo à nossa mente para que esta possa descansar e processar as informações.
Para enriquecer o argumento, a autora recorreu a algumas opiniões de respeitáveis autoridades no campo literário, a exemplo de Rubem Alves e Arthur Schopenhauer.
Vale a leitura do texto, que transcrevo a seguir:
“Os Perigos do Excesso de Leitura

DESTAQUE
O assunto de hoje é polêmico. Tão polêmico que vou trazer Rubem Alves e Arthur Schopenhauer para falar sobre isto:
“O excesso de leitura pode fazer você desaprender a arte de pensar. Essa destruição do pensamento individual é consequência natural das nossas práticas educativas. Quanto mais se é obrigado a ler, menos se pensa. Muitos acreditam que o pensamento [e a inteligência] está diretamente ligado ao número de livros lidos. Tanto que se criaram técnicas de leitura dinâmica, assim, você pode ler “Grande Sertão: Veredas” em pouco mais de três horas. Ler dinamicamente, como se sabe, é essencial para se preparar para o vestibular e para fazer os clássicos “fichamentos” exigidos pelos professores. Mas isso pode ser perigoso demais.” Rubem Alves, Sobre os Perigos da Leitura (editado)
Quando o escritor, psicanalista e professor Rubem Alves disse isso ele se referia à época em que era responsável pela seleção de candidatos ao doutoramento da Unicamp. Visualiza a cena: as pessoas iam super preparadas para a entrevista do doutorado, já tinham treinado todo o provável discurso, estavam com suas cabeças cheias de grandes leituras, mas em vez de uma série de perguntas para testar a capacidade acadêmica e filosófica dos candidatos, o entrevistador falava:
‘Fale-nos sobre aquilo que você gostaria de falar!’
“Oi??? Como assim? Pera aí… Éééé… Então… (MeuDeusdoCéumeAjude!)”
“Não nos interessávamos por aquilo que o candidato havia memorizado dos livros. Muitos idiotas têm boa memória. Interessávamo-nos por aquilo que ele pensava. Mas a reação deles, no entanto, não foi a esperada. Muitos entravam em pânico, e uma candidata teve até um surto […]. Estavam acostumados a papaguear os pensamentos dos outros.” Rubem Alves
Se os candidatos ao doutorado da Unicamp agiram assim, imagine os dos outros níveis universitários! Infelizmente, boa parte dos nossos acadêmicos estão cheios de tantas leituras e pensamentos já pensados. Porque ensina-se a ler dinamicamente, mas não a pensar independentemente.
E no afã de aprenderem mais e mais, de lerem mais e mais, muitos não percebem que o excesso de estímulos informativos ou áudio visuais produzem o efeito oposto do esperado: prejudicam os processos cognitivos (pensamentos, aprendizagem, entendimento…). Por esse motivo, os neurocientistas aconselham o “descanso da mente”, ou seja, a abstenção das informações e da tecnologia de tempos em tempos. A propósito, o filósofo e escritor Schopenhauer também falou sobre isso:
“Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: só repetimos seu processo mental. […] A leitura contínua, retomada a todo instante, paralisa, sufoca o espírito pela imposição ininterrupta de pensamentos alheios.” Sobre Livros e Leitura, Arthur Schopenhauer
Não é estranho um blog de Literatura falar para você parar de ler (um pouco)? Talvez, porque estou interessada no seu progresso intelectual, e não em estatísticas — visto que o meu objetivo não é ter alunos e leitores que se juntem a esta multidão:
“A cada 30 anos desponta no mundo uma geração de pessoas que não sabem nada e agora devoram os resultados do saber humano acumulado durante milênios de modo sumário e apressado e depois querem ser mais espertas do que todo o passado.” Schopenhauer, A Arte de Escrever
Vai dizer que você não conhece nenhum “intelectual instantâneo” assim? Aquele que se acha o mais esperto e erudito do mundo? Claro, não pretendo aqui criticar àqueles que leem dinamicamente. Minha intenção é mostrar que a melhor parte do conhecimento não está nos livros — ela está dentro de você.
Conhecer as principais obras literárias do mundo é ótimo. Dominar todas as teorias da sua área de estudo é melhor ainda. Mas vamos combinar? Chegar sozinho a uma conclusão importante, científica ou temática, através do seu raciocínio independente não dá um “UP” na sua autoestima intelectual? (Fala sério?!) Eu sei que isso também envolve uma série de outros conhecimentos apreendidos de terceiros (é óbvio!). Mas nenhum deles substitui o seu. Sobre isso, o filósofo encerra:
“As vezes é possível desvendar com muito esforço e lentidão por meio do próprio pensamento uma ideia que poderia ser encontrada confortavelmente nos livros. No entanto, ela é cem vezes mais valiosa quando é obtida pelo próprio pensamento.” Arthur Schopenhauer, A Arte de Escrever
P.S. Faz tempo que escrevi esse texto e faltava-me coragem para falar o que realmente penso sobre esse assunto. Mas uma longa e amável conversa com uma querida amiga blogueira encorajou-me a publicar isso. Obrigada, Rebeka Plácido! “
Pingback: “Os Perigos do Excesso de Leitura” (por Elaine Rodrigues) – Confira o porquê da reflexão! — O Bem Viver – emiliafigueiredo
Quem sou eu para contestar os três ? Elaine Rodrigues, Rubem Alves e Arthur Schopenhauer). Mas há várias declarações que podem ser criticadas. Ao ler o indivíduo automaticamente também está pensando ! Quem lê, com espírito crítico como deve ser, jamais estará “repetindo” o pensamento do outro. Ler é transformar através do pensamento e da inteligência. Quanto ler ? Ai depende de cada um. Leitura dinâmica ? Nunca fiz isso, nem nos áureos tempos do vestibular , nem nos tempos dos concursos púiblicos. Nem no tempo da universidade. Abs.
Na mesma linha… o grande Darcy Ribeiro, um dos maiores brasileiros de todos os tempos, educador e sociólogo reconhecido mundialmente, sempre dizia que devemos ler dois livros ao mesmo tempo. Quando cansamos de um, descansamos no outro. Ab.
É isso aí, caro Zé Rosa. Valeu o seu comentário, que enriquece a reflexão trazida com a postagem, cuja ênfase é para o “excesso” de leitura. A abordagem é mesmo provocativa! Forte abraço, grato!
Gosto dessa estratégia da alternância de leitura e a adoto, também, por diversos motivos!
O tema é realmente polêmico, mas vejo que o artigo tem, sim, fundamento razoável. Não apenas por estar bem referendado por pensadores eminentes, mas porque, de fato, principalmente no mundo acadêmico, há o risco dos leitores ávidos se tornarem papagaios. Nos programas de mestrado e doutorado a carga de leitura é muito grande, mas isso se justifica porque antes de produzir conhecimento é necessário que os pós-graduandos investiguem ao máximo tudo quanto já foi produzido em sua área de pesquisa, de modo a evitar a inútil repetição de esforços – a chamada tentativa de “reinvenção da roda”. Por outro lado, como não há ainda uma fórmula infalível para ensinar a pensar, a leitura voraz continua a ser, indiscutivelmente, um dos métodos mais eficientes para produzir grandes pensadores. De todo modo, ainda que um grande leitor não se torne necessariamente um grande pensador, já estará bem melhor que um não leitor a dar palpites sobre tudo. Abração!
Acredito que o lúdico deva sempre contracenar
Com a realidade….o resultado será o equilíbrio das reflexões
Também entendo que o lúdico é grande facilitador!