Para os tempos atuais, este texto publicado no portal EL PAÍS-Brasil, que reproduzo abaixo, levanta em boa hora o crescente fenômeno do gosto das pessoas pela validação social, manifestada pelo recurso do “like”. Por conseguinte, nos instiga a refletir sobre essa onda das esperadas aprovações em ambientes de rede social. Como dito, é o gostar de gostar cada vez mais disseminado, mais incorporado, que acaba se transformando em vício. Além do que, tal realidade estaria levando as pessoas a uma perda de espontaneidade…
A meu ver, esse é um tipo de reflexão que precisa ser feita. Portanto, considero o texto muito bem-vindo, como abordagem para um contexto geral. Entretanto, cabe a cada um, a par dos seus valores, das crenças e expectativas e, em suma, da sua realidade individual, fazer as devidas ponderações e inferências.
Recomendo a leitura, a seguir:
A ditadura dos ‘likes’
Necessidade de estímulos positivos vicia. E muita gente se vê obrigada a repetir esse comportamento
MIKEL JASO
Estamos todos expostos à crítica social, especialmente se propagamos voluntariamente nossas intimidades. Bem o sabem os instagramers, blogueiros e youtubers, que muitas vezes oferecem a imagem da felicidade plena e da verdade absoluta em suas redes sociais. Vindos do universo virtual, essas celebridades ditam gostos e opiniões, são os chamados influencers. A possibilidade de ser conhecido nunca foi tão acessível como agora, e os usuários anônimos que cada dia dedicam mais tempo a ser observados, admirados e valorizados já se contam aos milhões. As pessoas gostam de gostar. E a capacidade de difusão da internet oferece a muito mais gente a possibilidade de gostar. Mas, ao mesmo tempo, nos submete à ditadura da observação constante, o que nos impele a evitar cometer erros que possam ser notados e divulgados. O que antes se limitava a um instante e a um grupo reduzido de pessoas, agora tem uma audiência potencial permanente e ilimitada. De onde surge essa necessidade de agradar?
Parte de nossa identidade – especialmente na puberdade e na adolescência – é configurada pela relação com nossos pares. Configuramos nossa personalidade de acordo com a forma como nos sentimos conosco e com as opiniões que recebemos do mundo exterior. O que os outros pensam ao nosso respeito é um dos fatores determinantes na construção do nosso caráter. As novas tecnologias nos oferecem a possibilidade de desenhar um novo eu, o digital, que podemos idealizar e controlar: escolhemos o que mostrar, que imagem dar. Mas a criação e a manutenção dessa aparência tem um preço: executar a melhor interpretação da nossa vida perde valor se não houver um público que a observe, se não for divulgada. Precisamos de seguidores. O verdadeiro valor do “curtir” é confirmar que nossas ações são observadas e avaliadas positivamente. Isso nos faz sentir o prazer da vitória, do objetivo alcançado. Quando mostramos uma faceta de nós mesmos e recebemos um feedback que a valida, os circuitos cerebrais do reforço são ativados, o que nos faz querer mais. E isso acaba funcionando como uma droga.
Corremos o risco de viver em uma pose constante. Não é permitido se zangar ou ter um dia ruim
Cada nova curtida reforça um comportamento que nos leva a repeti-la; precisamos de mais e mais e mais, como acontece com qualquer vício. O impacto das imagens de felicidade e perfeição é efetivo. O público quer ver aquilo que não tem, estendendo o valor do instante para sua vida: se uma pessoa sai sorrindo em todas as fotos, isso significa que ela é feliz. Para que nossa imagem digital corresponda ao que desejamos ser, só se tem de fazer isso: mostrar felicidade, embora esta se assente sobre a desgraça de viver por e para a captura desse momento. Hoje somos vítimas da tirania da popularidade e do otimismo, uma derivada direta do culto ao cinismo. A importância de uma foto é medida por seus likes, de uma ideia por seus retuítes e de uma pessoa por seu número de seguidores. O alcance de uma opinião pessoal, de uma crítica, já não se limita ao ambiente em que se manifesta, nem esse escrito se relega a uma estante à qual, talvez, vamos no dirigir anos mais tarde e ler com rubor aquilo que um dia consideramos. Agora, o público é contado na casa dos milhões. E já nada é transitório.
Quando recebemos um feedback, os circuitos cerebrais do reforço são ativados, o que nos faz querer mais. É uma droga
Por tudo isso, corremos o risco de viver em uma pose constante. Não é permitido se zangar, ter um dia ruim ou estar de mau humor. A indiferença não tem lugar em um mundo que dá tanto valor ao posicionamento e, se possível, ao posicionamento explícito, próximo do radicalismo. Entre os desafios mais urgentes que isso acarreta, destaca-se a necessidade de assumir a incontrolável esfera de influência a que nossos menores estão submetidos, seres humanos que ainda estão coletando dados para formar sua própria opinião. Nunca foi tão fácil para uma criança ou adolescente ter acesso a argumentos extremistas esgrimidos por falsos profetas vociferantes.
O que acontece quando os valores que se compram e se vendem para conseguir ser alguém influente são simplificados até a frivolização do ser humano? Onde está o sujeito pensante e autônomo, a pessoa com capacidade de reflexão, decisão e criação de um sistema ideológico independente e adaptado a um contexto social mais ou menos normativo? Os jovens hoje percebem as ideias de ídolos de canção, dos videogames, do esporte, da moda ou da beleza sem diferenciar se esses indivíduos sabem do que estão falando quando emitem opiniões sobre assuntos sobre os quais, em muitas ocasiões, não têm argumentos. Nessa era, podemos ir dormir como sujeitos anônimos e acordar na manhã seguinte sendo trending topic; só é necessário que uma pessoa com um número suficiente de seguidores nos relacione com algum fato escandaloso e num tom extravagante ou agressivo o suficiente para desencadear o efeito retuíte. Para o bem ou para o mal, na sociedade de hoje somos todos público, mas também somos todos audíveis. Não há descanso.
Muito bom esse post. Me lembrou o livro A CIVILIZAÇÃO DO ESPETÁCULO, de Mário Vargas Llosa, o qual recomendo fortemente. https://joserosafilho.wordpress.com/2015/05/05/a-civilizacao-do-espetaculo/
Abraço,
José Rosa.
Valeu, parceiro Zé Rosa. Obrigado pelo feedback e pela indicação do livro!
Abração
Show…o cotidiano…..em nossas vidas…infelizmente
Bom que gostou, Ana. Valeu pelo registro!!!
Vou em busca desta recomendação do Zé Rosa….
É , a idealização da felicidade plena..
..só que, esqueceram de combinar, com os “Russos”.
Até nisso há imediatismo. Talvez seja uma síndrome da felicidade aparente, ao invés da felicidade autenticada, consistente, real. É uma reflexão providencial!
Obrigado, primo, por comentar!
Por vezes penso que os “likes” não deveriam existir. Apenas o comentário, porque será pouco provável que alguém escreva que apreciou quando algo lhe foi indiferente. Já o dar um clique no gosto é rápido, é fácil e um reflexo do facilitismo da actualidade, que mina especialmente das novas gerações. E, honestamente, não vejo tendência para melhorar.
Por muito agradável que seja receber um “like”, temos que ser honestos com eles, quer no dar quer no receber.
Pessoalmente, fico incomodada quando em poucos segundos recebo 5, 10 ou 20 “likes” no meu blog, como já aconteceu várias vezes. A única certeza que tenho é que eles são falsos. E isso realmente incomoda-me.
É, Dulce, também tenho esse sentimento em relação a muitos “likes” recebidos!
Abraço.
E
stou fazendo um trabalho de escola e estou utilizando seu comentario como base. Parabéns pelo comentário, você está corretíssimo.
Legal, Theo, obrigado. Fico feliz que a postagem tenha sido útil! Abraço
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Valeu, caro Zé Rosa. Essa abordagem, no contrafluxo, veio em boa hora!!!